segunda-feira, novembro 20, 2006

Epidemia (Ridson Du Gueto)

EPIDEMIA

Parte I

Minha palavra é o incêndio que se alastra.
É conflagra e flagra.
Abre as chagas.
Oxigênio não se acaba.

Chama alimentada pelo ódio do inimigo.
Sistema de ópio que deixa o povo dividido.
Os prédios imponentes e a favela submissa
A grande obra prima do sistema capitalista.

Somente com muitos muros sem constrói este sistema.
Burguesia em quarentena, refém da própria doença.
Desperdício, luxuria, status, ostentação.
Centros de poder, focos de infecção

O que corre nas veias do ser opressor.
É a prepotência de quem se julga superior.
Que se transforma em ódio e irradia a epidemia.
A burguesia sofre de guetofobia.

E nem a medicina encontrou o antídoto.
Não ha vacina pra pobreza de espírito.
Mal galopante, agudo, crônico.
O preconceito é um sinal, o terminal é o pânico.

Sua febre ferve, cólera transparente.
Tem só nojo de pobre ou medo da brava gente?
Sua cobiça típica consumista gera o medo.
Constrói o condomínio pra viver longe do gueto

Aumenta a desigualdade, mas não convive com ela.
Provoca o trauma, mas não responde pela seqüela.
Não mantém desassistidos sem empregos, longe dos livros.
Sem condições, identidade, mas ainda estamos vivos.

Sua meta é impedir que venha a surgir.
Em pleno século XXI o novo ZUMBI
Somos todos reféns de um assalto que nunca acaba.
Somos a margem de erro do plano senzala.

É a saga do povo que agora se repete.
Onde houver injustiça sempre haverá um rebelde.
Eles têm medo de nós porque somos maioria.
A burguesia sofre de guetofobia.


Parte II

Maioria, comunidade, imunidade natural.
A epidemia atinge só sua classe social.
Doença terminal, resultado, síndrome.
Povo pobre, vantagem: humilde índole.

Desta infecção eu, Dugueto, não sou vítima
De classe média pra cima, todo aquele que discrimina.
Cientistas da causa, reféns da conseqüência.
A playboyzada e a sua doença e tudo o que ela representa.

Pior que a histeria anticomunista.
Pior que a polícia racista na revista.
Bem maior que o medo do seqüestro.
Ignorância, violência, intolerância diante do protesto.

Mais forte que a vontade de continuar dominado.
Regendo o controle eterno, explorando, escravizando.
Mais forte que a inveja de nos ver de pé.
Povo: cultura da resistência e da fé.

A trinca na corrente, a bala na agulha.
Igual a uma em seis na roleta-russa.
O rastilho de pólvora, a vazamento de gás.
Eu sou a rejeição à tua falsa paz.

Eu sou a podridão que você abomina.
Seu filho viciado em cocaína.
Represento o detento dando tempo ao tempo.
Planejando o retorno, lendo, escrevendo.

O furo no bloqueio da sua segurança.
A fuga bem-sucedida., no horizonte e esperança.
A amor que vence a droga.
Sobrevivente das mais duras provas.

Eu sou o parto com risco de vida.
Criança subnutrida contraria as estatísticas.
O livro encontrado no lixo.
Quanto teria perdido se não o tivesse lido.

Eu sou o eco da menina chorando.
A denúncia da sua corrupção te atormentando.
Minha revolta tem a idade deste assalto.
E eu sei que alguém está lucrando com este holocausto.

Vidas convertidas em lucro para o seu bolso.
Sinta o gosto do nosso sangue lhe amargando o caro almoço.
É a saga do povo que agora se repete.
Onde houve injustiça sempre haverá um rebelde.
Eles têm medo de nós porque somos maioria.
A burguesia sofre de guetofobia.



Parte III

“Jornal Nacional”, a chamada anuncia a notícia:
Manifestantes entram em confronto com a polícia.
Eles tinham faixas e palavras de ordem.
Contra gás lacrimogêneo, cacetetes, tropas de choque.

Só que a câmara filmou só a revolta e a reação.
De quem no desespero atira pedra em vão.
E no bloco seguinte o que se viu, ouviu:
“Pesquisa prova: desemprego diminui no Brasil.”

Guetofobia: o poder intimida.
Chacinas na periferia cometidas pela polícia.
Manifestações pacíficas reprimidas na Paulista.
Difamações, mentiras pela tevê transmitidas.

Terrorismo: crime considerado hediondo.
Ato válido somente quando atinge o povo.
Promotor burguês censura a verdade.
Porque a função da televisão é a produção de fugas da realidade.

É do meu olhar que você tem medo.
Bonito terno, onde vive se escondendo.
Eu vi você erguer o vidro, acelerando.
Quase atropela o moleque trabalhando.

A pressão sobe, o coração, acelera.
Alergia a pobre, pavor da favela.
Pesadelos, pânicos, inquietação, insônia.
Guetofobia: estes são os teus sintomas.

Ignoram as crianças viciadas e marginais.
Depois vão pras ruas em passeatas. “BASTA, EU QUERO PAZ.”
Paz morar longe de sem-teto.
Proteger o domínio no condomínio sem favela perto.

Que tem como herói um Coronel Ubiratan.
Aprecia confortável nosso diário Vietnã.
Cães acostumados a apontar se farejam medo.
Entram em desespero, quando sentem o próprio cheiro.

Burguesia aplaude nossa calamidade.
São contra os direitos humanos, porque não têm humanidade.
Sua tolerância zero, limpeza social, justiça.
Sob a luz no meu verso, enxergo suas feições nazistas.

Da destruição de Palmares à ditadura militar.
Massacre do Carandiru, Eldorado dos Carajás.
O dinheiro comanda a execução sumária.
Esquadrões da morte, chacina da Candelária.

Sua idéia de paz é diferente da minha.
Sua paz inclui a escravidão da minha família.
Com o meu silencia, meu consentimento.
Meu confinamento dentro de um gueto.

A paz que eu não aceito e rejeito é a paz dos guetos.
A paz capaz de te obrigar a ignorar o olhar de preconceito.
Aquela paz imposta por viaturas da ROTA.
Paz de escravos, paz de gente morta.

Mansões, reuniões, festas, drinks, caviar.
E na favela, nos barracos, algo começa a mudar.
O filho mostra à mãe o que ela nunca percebeu.
Porque nunca teve a oportunidade, não leu, não aprendeu,

A guerra prolifera, o levante da favela.
Não é uma ameaça, é uma promessa.
Promessa de terror, horror, incêndio.
Por isso, playboy, tenha medo.

É a saga do povo que agora se repete.
Onde houver injustiça sempre haverá um rebelde.
Eles têm medo de nós porque somos a maioria.
A burguesia sofre de guetofobia.

Extremamente, centro de terapia intensiva.
Tratamento de choque contra guetofobia.
Bisturi da cirurgia sem anestesia.
Extirpa o câncer da sua covardia, burguesia.




Ridson

1 Comments:

Blogger Ana Alves Oliveira said...

Palavras que soam como pancadas, muito bom o poema, muito bom o retrato dessa infeliz realidade de preconceito e desigualdade.
Caso tenha interesse siga o link abaixo:
http://ventosdoinconsciente.blogspot.com/2011/04/paisagem-urbana.html

7:51 PM  

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